PADRE ANTÔNIO THOMAZ DE CASTRO – UM BREVE RELATO

Um  Breve  relato sobre a Biografia de  Padre  Antônio  Thomaz  de  Castro

Por sua sobrinha neta

Maria do Carmo de Castro Tófani

 

Padre Antônio nasceu em Congonhas do Campo, filho de Dona Maria José de Castro, brasileira, professora, e do também professor Thomaz de Castro, espanhol que veio lecionar em terras brasileiras.

Foi, segundo relatos familiares, uma criança e jovem interessadíssimo por conhecimento, estudos e leitura, participando de um projeto que sua mãe sempre executou: o de ensino da leitura e escrita para crianças desfavorecidas. A mãe era mais conhecida como Dona Nhanhá.

Desde pequeno, Padre Antônio manifestou o desejo de cursar o Seminário e isso parece ter alegrado particularmente a sua mãe. Teve o incentivo do pai, que apesar de não ter planos para ver o filho sacerdote, viu no Seminário uma grande oportunidade de conhecimento para seu jovem Antônio e sua inteligência vivaz. O fato é que ele foi ordenado padre, como era desejo de seu coração, e aproveitou ao máximo os excelentes ensinamentos da instituição religiosa. Era excelente escritor, poeta e poliglota, dominando inclusive a língua alemã. Era capaz de ler e escrever em alemão. Foi grande admirador dos filósofos e cientistas alemães de seu tempo, que vieram a influenciar todo o pensamento sobre a antropologia, filosofia, física e psicologia modernas.

Desconheço em qual Seminário ele estudou, mas é certo que logo que ordenado ficou como ajudante na própria Congonhas do Campo. Pouco tempo depois, foi designado à sua primeira paróquia na cidade de Carandaí. Lá, ainda jovem, recebeu a notícia do precoce falecimento do pai, o que levou a mãe e seus irmãos a se mudarem para Carandaí e serem amparados por ele. Foi extremamente querido em Carandaí e por ocasião de sua nomeação para Pároco da cidade de Santa Luzia, recebeu homenagens por vários dias de seus paroquianos carandaienses. Há relatos de que tenha sido um jovem vigário muito atuante.

Apesar da excelente convivência em Carandaí, sua nomeação como Pároco de Santa Luzia foi motivo de muita comemoração familiar, visto ser a nossa cidade um município muito proeminente na época (final do século XIX), compreendendo em suas paragens numerosos distritos. Especialmente sua mãe Dona Nhanhá alegrou-se com o fato, pois já via, com seus bons e sábios olhos maternos de professora, que o filho poderia fazer muito, seja por meio da vocação escolhida como no amparo das causas sociais.

Mudou-se inicialmente sozinho para nossa cidade e ficou residindo na Casa Paroquial e dizia que tinha se apaixonado por Santa Luzia na hora de seu desembarque. Estabelecido aqui percebeu o tamanho do rebanho que herdara e viu que precisaria de sua família para ajudá-lo em muitas de suas tarefas.

Não tenho precisão das datas, mas sua vinda parece ter sido brevemente antes da publicação das primeiras edições de seu jornal no ano de 1900. Decidido a trazer a mãe e os irmãos foi necessário adquirir uma casa que abrigasse essa quantidade de pessoas. Ele comprou então, de forma parcelada, o atual Solar Almeida Teixeira, hoje conhecido como “Casa de Beata”, lá permanecendo até sua morte no ano de 1945. Estabelecidos todos, Padre Antônio deparou-se com todos os problemas da cidade na época: as diferenças sociais, as grandes distâncias entre os distritos luzienses, os pobres e doentes. Sem recursos para carruagens ele percorria literalmente “no lombo do burro” todo o município. Impulsionado pelas ideias inclusivas da mãe, ele multiplicou por muitos lugarejos, a ideia de alfabetização para todos, valendo-se da ajuda de professores, paroquianos seus.

Era uma mente inquieta, isto ouvi muitas vezes e vinha há muito idealizando editar um periódico, porque percebia a dificuldade ao acesso às informações importantes pelas pessoas do entorno. Nasceu então, “O Luziense”, jornal editado por ele, do qual também era relator e de cujas páginas emanam quase todas as características da personalidade do “Tio Padre”, como ele era carinhosamente chamado por seus sobrinhos.

Padre Antônio era um homem bonito, forte, moreno, de olhos verdes e cabelos pretos e a batina lhe caía muito bem. Tinha a aparência como algo a ser cuidado, por incentivo da mãe. E sempre foi “alinhado”, mesmo no lombo de burros ou cavalos. A aparência era de perfeito espanhol, mas a pele tinha o tom moreno e inconfundível do índio brasileiro, herdado da família materna. Escondeu por toda a sua vida que era um cardiopata grave, temeroso de ser afastado da Santa Luzia amada. Este fato só se tornou público por ocasião de seu adoecimento fatal, que o levou irremediavelmente ao leito.

Lendo seu jornal é possível listar algumas características que mostram a contemporaneidade de Padre Antônio, o que torna um homem à frente de seu tempo, a saber:

– O apuro gráfico, estrutural e organizacional da publicação, empregando padrões que seriam adotados posteriormente pela grande imprensa.

– Via a mulher como empreendedora, fora dos limites do lar e da família, como professora, é verdade, mas reconhecia muita capacidade nas mulheres, suas familiares eram mulheres guerreiras, fortes e determinadas.

– Interessadíssimo em política, porque dela sabia advir o bem estar de seus paroquianos. Os vigários da época não tinham autorização para externar este interesse. Por isso, no jornal O Luziense, ele sugeria ideias que abarcassem soluções para os casos sociais, fazendo-o, todavia, por pseudônimo. Creio que seus paroquianos soubessem que era ele, mas como era extremamente respeitado nunca ninguém partiu para o enfrentamento, e muitas de suas opiniões se transformaram em plataformas políticas.

– Versado nas novas “Ciências do Comportamento” da época, ele se valia da leitura dos jovens escritores alemães, como Dr. Freud, buscando um melhor entendimento do ser humano. Fiquei sabendo disso por acaso, um dia, quando eu , já estudante de psicologia, contava sobre a psicanálise para meus familiares e minha tia Luiza, que conviveu muito com Padre Antônio, lembrou-se do nome Freud. Relatou-nos, então, um episódio triste de nossa família, quando, durante uma missa, meu tio José disse estar vendo o Tio Padre levantando o corpo de Jesus ao invés da hóstia consagrada. A igreja toda chorava, mas quem mais chorou foi Padre Antônio. Após a missa, ele procurou meus avós, para que meu tio José fosse encaminhado ao médico, pois achava que ele estava adoecendo. De fato, desenvolveu uma esquizofrenia muito grave, tendo vivido no Hospital Colônia de Barbacena.

– Há no Jornal publicações compatíveis com um Portal da Transparência, em que edição após edição ele publicava para os munícipes a prestação de contas de todas as doações para as restaurações da Matriz de Santa Luzia lideradas por ele.

– Publicava também o resultado de todas as eleições, o que garantia a informação dos vencedores dos pleitos e a quantidade de votos recebidos a todos os paroquianos.

– Um dos grandes patrocinadores do Jornal era o “Regulador Xavier”, lançamento da época para alívio das cólicas menstruais, uma inovação no cuidado com a mulher.

– Patrocinavam também farmácias e comércios luzienses, que anunciavam desde o básico até as coisas mais frívolas.

– Era um romântico e escrevia poemas até de amor, tinha essa veia dramática, mas também o fazia por pseudônimo devido à rigidez do julgamento social com os padres.

Além da dura tarefa de pároco e de provedor de sua família, Padre Antônio deparou-se com o grande desafio de sua vida: o Adro da Igreja Matriz de Santa Luzia estava cedendo. Era um adro de grama como o da nossa Igreja do Rosário atual. Foi necessário consultar construtores e até engenheiros para constatação do diagnóstico de que a Igreja ruiria caso não houvesse um amparo feito de forma diferenciada ao longo de toda a sua cercania, o que consistiria em cobrir toda a terra que ladeava a Igreja com material bem resistente. Ele, então, aventurou-se à conservação de nosso patrimônio, não sendo poupado de críticas devido à substituição do adro por escadarias. Conclamou a população a fazer doações , a fim de cumprir esta tarefa e a esmagadora maioria aderiu ao seu projeto. Sobre o comando de Padre Antônio, foram construídas as primeiras escadarias da nossa Matriz, creio que sem a imponência que apresentam agora, mas com resultado seguro e satisfatório. Aconteceram comemorações e festejos quando da conclusão da obra, havendo nos jornais o registro da visita de um bispo famoso da época para conhecer a cidade, creio que Dom Cabral.

Um momento extremamente triste de sua vida foi a perda de sua mãe que passou os seus cuidados para as suas irmãs e parentes. Padre Antônio sofreu uma piora de seu estado de saúde. Já com o coração enfraquecido e com a necessidade de estar acamado manifestou o desejo de ser enterrado na porta da antiga Capela do Carmo. Dizia que ao pisar neste lugar para entrar na Igreja, cada paroquiano haveria de se lembrar dele. Com a demolição da Capela para a construção da atual Igreja do Carmo, o corpo de Padre Antônio foi transferido para o interior do nosso cemitério. Seu desejo, no entanto, está sendo cumprido agora, mais de 70 anos depois de sua morte. Ele desejava ser lembrado como luziense e tinha esse desejo de que a posteridade o reconhecesse como tal. Devido à digitalização dos exemplares de seu Jornal, ele é, agora, eterno. Ele que fazia uma internet falada e impressa se deliciaria com a rapidez da comunicação atual. Sempre amou invenções e novidades. Torna-se realidade que ficará imortal nos corações dos luzienses. Será conhecido de muitos.

A alegria me toma o coração irremediavelmente e agradeço ao querido Tio Padre por fazer parte, ainda que uma parte bem pequena, da sua imensa memória.

Acesse os jornais digitalizados

Agradecimentos

A todos os luzienses, conhecidos e anônimos, que lutam para que nossa memória não seja apagada, nem derrubada, nem encaixotada, nem leiloada, ocupando o precioso tempo de suas vidas nesta difícil e nobre tarefa. Aos anônimos, principalmente, meus respeito

Santa Luzia vive, porque o espírito dos Luzias não pode ser apagado.

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